carta a uma filha [que não é minha]


Hoje fiquei para ser mais mãe da minha filha. Entretanto leio esta carta a uma outra filha escrita por uma outra mãe que eu só conheço pelo que leio na sua mercearia. Gostei e por isso hoje partilho. Pode ser que um dia a minha filha a encontre por aqui. Boa segunda-feira.

Filha, se puderes, fica. Fica neste país que é tão lindo. Fica, mas também podes ir, podes ir para onde queiras ir. Podes viajar, conhecer o mundo, mas antes de mais conhece-te a ti própria. Não viajes para tirar fotografias a viajar, viaja sim para dentro de ti, conhece-te através do mundo, das pessoas e dos lugares.

Filha, se puderes, fica. Fica, mas desliga a televisão. Quando puderes liga-a, mas liga-a apenas para veres a rtp2, não, desliga, desliga porque até aí, a cultura desapareceu. Se puderes, nunca vejas um telejornal, porque aí as pessoas vivem de emoções, porque aos veres o telejornal, não vais ser feliz, vais apenas viver as emoções dos outros, e não vais puder mudar o mundo. Se puderes, vai antes para a horta e aprende com os mais velhos o que eles melhor sabem fazer nesta terra onde cresceste, aprende a cultivar o que vais levar para a tua mesa. Aprende a viver os dias em ritmo com a natureza, com a lua e com o sol. Aprende a ser feliz e a mudar o teu próprio mundo. Vive apenas a tua vida e nunca a vida dos outros. Se puderes lê muitos livros. Nos livros cabe toda a sabedoria do mundo. E escolhe aqueles que te façam mais feliz e que ensinam que a chuva e os dias cinzentos também fazem falta.

Filha, se puderes, vê o sol nascer todos os dias e se puderes chega sempre cedo a casa, cuida dos teus e sê feliz com eles, não procures na rua a aprovação dos outros. Se puderes, vai ao teatro, ao cinema, aprende uma arte qualquer e, se puderes, partilha-a com os outros. 
Se puderes, sê feliz, não esperes que o teu país te faça feliz. A felicidade não está num lugar, a felicidade parte de ti em direção ao lugar onde estás. Podes procurar todos os lugares e, em todos eles, irás encontrar alegria e tristeza. Tu és quem terá de escolher com qual das duas queres viver. Mas se puderes viaja, se puderes fica. O nosso país é tão lindo, nele vais conhecer pessoas maravilhosas, paisagens fabulosas, tradições que valem a pena. Se puderes não te envergonhes do país que tens. Mas, se puderes, procura a verdadeira cultura que existe nas pessoas mais simples. Procura dançar as danças de roda, procura cantar as modas alentejanas, procura viver as tradições dos lugares onde vives. Nunca te envergonhes a dançar. Dança sempre como se toda a gente estivesse a olhar para ti e fá-los dançar contigo.
Filha, se puderes, fica. Os teus pais ficaram e escolheram uma forma mais simples de viver. Vivem sem luxos, vivem mais do amor do que do dinheiro e são felizes. A verdade é que fazem aquilo que os faz mais feliz e vivem sem pressas e com os sonhos nos braços. Vivem como se o agora fosse o mais importante. Mas filha, se puderes, vai, vai e procura o conforto, ele poderá fazer-te feliz, mas nunca te fará tão feliz quanto o amor. 
A verdade é que poucas pessoas entenderão o que os teus pais querem dizer, mas filha, se puderes, procura-te, vai bem dentro de ti e percebe todas as mágoas que porventura te deixámos. Trá-las todas cá para fora e deita-as ao mar ou à terra, nunca ao vento. Chora sempre que tiveres de chorar e ri em voz alta para toda a gente rir contigo.

[do blog na minha mercearia]

4 comentários a “carta a uma filha [que não é minha]”

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *