o dia da Constança [15.10.12]


[um post para ti, Constança. escrevinhado na 4ª feira, o dia em que fizeste 2 anos, e terminado hoje, domingo, o dia da tua festa em família. lê com esta bonita música composta pelo primo Eduardo quando nasceste e que se chama, precisamente, “O Dia da Constança”]

Faz 2 anos hoje [15.10.14]. Nasceste as 3:58 da manhã, de um domingo para uma segunda-feira, 3 dias depois da data prevista. Estiveste, portanto, mais de 40 semanas na minha barriga, que era enorme e farta em líquido amniótico.

IMG_7293-750x500Foi uma gravidez santa, zero problemas, só algum cansaço e muitos nervos nos quase 3 meses de obras cá em casa. Na altura eu trabalhava no Porto, o teu pai na Trofa e íamos ficando ora na casa de Fão, ora na casa do teu avô Manel, em Braga. Calor, pleno verão, muitas viagens de carro, roupa de um lado para o outro, um pequeno inferno.

Na 6ª feira, o dia em que era suposto nasceres, fui à enfermeira ver como estavam as coisas. Ela fez-me uma maldade no útero para que, naquela noite, entrasse em trabalho de parto. Ficamos em casa, à espera. Das 2 às 4 da manhã, sozinha na sala, sofri em silêncio. Fui buscar a enciclopédia da gravidez e esforcei-me por recordar as posições e os exercícios de respiração que aprendera no curso de preparação. Estava calma mas sempre com aquela pergunta – será que é agora? – até que adormeci, deitada no sofá, sinal de que as dores aliviaram e as contrações estagnaram.

No dia seguinte, fomos almoçar a Guimarães que, naquele ano, era a Capital Europeia da Cultura. Tinha ordens para andar. Nada. Porreira da vida. Um barrigão e eu nem grandemente inchada. Estava bom tempo. Ao fim do dia, enfermeira parteira novamente. Lágrimas de dor. Avenida acima, avenida abaixo com a tua tia, lembro-me bem como me custava andar e falar ao mesmo tempo. Durante o jantar, no restaurante, começaram as dores, pareciam ser nos rins. Sabia que tinha de aguentar, sabia que era muito cedo. Saímos a pé, demos uma volta no centro histórico e acabamos no concerto de Best Youth com We Trust que estava a acontecer no Largo do Paço. Estivemos com amigos, eu sempre com dores, brincamos com a situação. Não estava bem de pé, não estava bem sentada, já não tinha posição. Viemos para casa. De novo as dores durante duas horas seguidas e depois… nada.

IMG_7303-750x499 IMG_7298-750x500Domingo de manhã acordamos cedo e fomos para o hospital. Tinha muito sono, mas a ansiedade impediu-me de dormir. Fui observada e o médico disse-nos: apenas 3 dedos de dilatação, a bebé está muito subida e confortável, mas a ficar demasiado grande. Ja devias pesar uns 4 kgs! Mas era domingo e ele queria mandar-me para casa. Com pouca vontade de voltar para trás com as malas, pedi para ficar e ele fez-me a vontade. O teu peso também o preocupava.

Passei um dia inteirinho no quarto do hospital à espera que quisesses sair para o mundo. Parecia estar num hotel. Vi muita televisão, recebi uma ou outra visita, o pai foi buscar-me o jantar ao McDonalds. Nada. Até às 10 da noite, altura em que… pof! rebentaram as águas. Ainda bem que não foi no meio da rua porque pode ser, realmente, muito constrangedor. E a partir daí as dores começaram, primeiro perfeitamente suportáveis, depois não tanto, até à meia noite e meia, hora em que me levaram para a sala de partos, uma sala individual e novinha em folha, um luxo de hospital público. Levei epidural por 3 vezes e entrei em férias de trabalho de parto. Apagaram as luzes e adormecemos os dois. De vez quando o parteiro vinha ver como estavam as coisas.

Pelas 3 e pico da manhã, entrou de repente e disse: está na hora. Eu, meia estremunhada de sono e com o coração a bater muito rápido, olhei para o teu pai e pensei: ai caraças, é agora. Medo. Não sentia nada! Quase não sentia as pernas, não conseguia contrair os glúteos, nada! Temi não ser capaz de puxar mas o parteiro brincou comigo e acalmou-me: eu digo-lhe quando for para fazer força. Rebobinei vezes sem conta as instruções da enfermeira Fátima e concentrei-me no que tinha a fazer. E foi fácil. Três ou quatro puxões e tu nasceste. Enorme, perfeita, caladinha. Não choravas e eu a estranhar. Minutos [ou teriam sido segundos?] depois lá soltaste um grito e desataste num pranto que me deu vontade de saltar da cama para te recolher. Mas, espera, antes disso o pai cortou o cordão umbilical. Estava nervoso e com as mãos suadas, rompeu uma luva e o tempo estava a esgotar-se. Com o material na mão, o enfermeiro dizia: se querem fazer a criopreservação é melhor ficar para outra vez, não podemos esperar mais! Entretanto tu estavas ali, em cima de mim, e eu nem sabia bem o que fazer ou sentir. Estava em êxtase, literalmente em êxtase. Ri e chorei de emoção.

IMG_7101-750x500 IMG_7365-750x500Até que te levaram para a caminha de acrílico com a lâmpada de aquecimento por cima, a 2 metros de mim. A enfermeira, que já tinha chegado para cuidar de ti, era muito brincalhona e insistiu para o que o pai te vestisse. Entrou e saiu várias vezes da sala, deixando-te ali sozinha com ele, só tu e ele, ele a olhar para ti, a tirar-te fotografias com o telefone, a falar contigo emocionado. Com a ajuda da enfermeira, vestiu-te a tua primeira roupa: um body e umas calcinhas interiores, um cueiro de trespasse com uns pequenos bordados e um gorrinho. Tudo branco, tudo em algodão, tudo tamanho 0.

Entretanto, o parteiro cuidava de mim. Pressionou a barriga várias vezes e eu pude ouvir o que parecia ser líquido a cair no chão da sala. Estava tudo sujo de vermelho. Massajou-me com força e durante algum tempo. Ouvi-o comentar que o útero não estava a contrair devidamente, pôs-se quase em cima de mim e eu, apesar de não sentir nada, estava desconfortável. Percebi que suava, focado no que estava a fazer. Correu tudo bem. No fim, deu-me um ou dois pontos pelo interior para “fazer um trabalho bonito”. Eu agradeci.

Tudo isto deve ter demorado uns 45 minutos, já não sei. Algures no meio desta sequência puseram-te no meu peito, lembro-me que foi na mama direita e que pegaste bem. E depois, ainda na sala de partos, fizemos os telefonemas. Eu liguei para a tua avó Lena, o pai ligou para o teu avô Manel e para a tua avó Joana. Eram umas 4 e tal da manhã. A tua tia-avó Teresa esteve lá o tempo todo, em silêncio, no fundo da sala. Nasceste com 3,825 kg e 51 cm, linda. Constança, a minha primeira filha. E nunca mais a nossa vida foi igual.

[fotografias tiradas pela Catarina, um mês depois do nascimento da Constança]

4 comentários a “o dia da Constança [15.10.12]”

  1. Bom dia Ana,
    Estou a ler este post às 7h30 da manhã, a tomar o pequeno-almoço sossegada com a casa ainda a dormir. Emocionei-me e estremeci porque com um João de 23 meses e uma barriga de 27 semanas, não podia ser de outra maneira. Ainda por cima a minha história é parecida, parto sem esforço, sem dramas e com muita emoção. Adorei começar a semana assim.
    Obrigada.

  2. Que texto lindo!
    Eu ainda só me revejo na primeira parte… 33 semanas e a acabar 7 infindáveis meses de obras.
    Agora é começar a preparar a casinha toda para receber o Vicente que vem a caminho e que esperemos que não seja tão teimoso para sair.
    Beijinho e tudo de bom *

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