E, de repente, é sexta outra vez. Os dias passam vertiginosamente e eu até tento não pensar muito nisso, mas há uma ideia negra que me está sempre a vir à cabeça: é menos um dia, menos um crédito, menos um pauzinho da bateria de vida que me foi cedida. Angustio. Desde que o pai morreu que esta sensação de vida a fugir-me pelos dedos me assombra. De onde venho? O que faço aqui? Para onde vou? É a perfeita crise existencial.
Mas entretanto, os dias. Quase todos, cinco sétimos, muito estúpidos: acorda, levanta, duche, Constança, colégio, vai trabalhar um bocado, volta para casa a correr, liberta a empregada, almoça qualquer coisa, tenta que alguém fique com a Camila, ou então leva a Camila para todo o lado, volta a trabalhar, tenta ser produtiva, colégio, Constança, banhos, jantar, tenta comer qualquer coisa de saudável, bolachas em frente à tv, pc, novela, telemóvel, cama. Os restantes um bocadinho menos estúpidos e incomparavelmente mais felizes quando ele está cá.
O-meu-pai-morreu. Ainda me custa escrever isto. Precisei de dois anos para apagar o seu número do meu telemóvel. Parece que ainda preciso de outros tantos para conseguir escrever a frase sem que as lágrimas me venham ao olhos. O meu pai morreu e com ele morreu uma parte de mim. Vejo-me ao espelho ou nas fotografias anteriores àquele ano e pouco me reconheço. Perdi a cara redonda, parte dos caracóis e ganhei rugas nos olhos. Estou constantemente cansada. Estou farta de estar cansada e até estou cansada de mim.
Não é sempre maravilhoso, isto de ser mãe… sozinha. Aliás, têm sido poucos os dias absolutamente maravilhosos, mentiria se dissesse o contrário. É difícil, é duro e dá um enorme trabalho [e quem pensa que isto é mais um queixume pode parar de me ler aqui]. Ao fim da tarde, a Constança fala muito alto e a Camila chora sem qualquer razão. Depois, acalmam elas, acalmo eu e quando até podia usufruir um bocado das duas, é hora de ir para cama. Anda tudo a toque de caixa numa rotina para a qual não há outra saída a não ser tentar levá-la e da melhor maneira.
A Constança fala à sopinha de massa e não diz os l’s. Canta sem parar, ralha com os bonecos, conta histórias; a Camila é uma risonha, mexe-se muito no berço e fica bem sozinha a olhar para os brinquedos da Constança. A Constança adormece todos os dias na minha cama; a Camila adormece todos os dias na cama de grades da Constança. A Constança tem 2 anos e meio; a Camila tem 3 meses e eu pergunto-me como é possível o tempo passar tão rápido. Onde é que eu estive este tempo todo? No atelier, na confecção ou num mercado qualquer?
Faz-se o que se pode. É o novo meu mantra. E entretanto sonha-se com as férias. 15 dias a quatro, dias longos e ele para me abraçar. Falta 1 mês.
4 comentários a “destes dias crus”
gosto tanto desta forma natural [e verdadeira] de falar sobre tudo <3
Só tu para escrever algo tão profundo e belo. Não preciso de colocar aqui o quanto admiro a forma de te conectares com o ser humano que se identifica e bebe cada sorriso e lágrima tua.
Também sinto a falta do Pai, que deve estar bem admirado (e orgulhoso, acredito) por não ser mais “a Dra” :)!
Já leio o blog à algum tempo… mas hoje apeteceu-me dizer que não é a unica… se estar longe e ter só uma filha com 1 ano é dificil …. 2 nem imagino… coragem!!!
Ana,
Revejo-me em tantos aspectos… Não está sozinha, nem na sua família, nem no que toca às suas leitoras. Força e coragem!
Joana