Há quem ache que ando deprimida. Não, não ando. Pode até parecer porque às vezes escrevo umas coisas um bocado assustadoras, preocupantes talvez, mas não, não sou dada a deprês. Ao invés, ouço os The The alto e bom som neste showroom de onde escrevo agora, na penumbra.
Há quem ache que ando impossível, sem paciência, tensa, constantemente stressada. Talvez tenham razão. Não, corrijo: têm razão. Não me parece que o seja para toda a gente, mas para quem mais gosta de mim, eu tenho sido uma parva dos diabos. Mas quando é que me tornei numa pessoa assim?
Quando é que chega, afinal, aquela parte do navegar em águas tranquilas? O sentimento de paz bom que a mudança prometia?
Já mudei de vida, já tive essa coragem, mas então? Paz de espírito, pés na terra, sono tranquilo, coração sereno… então? vai demorar muito a chegar? Ah!, buf.
Apesar das minhas buscas interiores pelo equilíbrio, os dias continuam pequenos para o tanto que há a fazer. Começo a achar que tenho demasiadas ideias, projetos, desejos e quereres para esta minha vida. E se há dias em que acho que isso é tão bom porque me mantém numa pessoa ativa, curiosa e desperta na travessia à face da Terra, há outros em que não tenho bem a certeza se não estou apenas a contribuir para a minha frustração e infelicidade. Equilíbrio, equilíbrio e serenidade, por que raio é esta combinação tão frágil? Assolam-me as dúvidas existenciais: de onde venho? para onde vou? o que ando aqui a fazer? no fim, qual a razão de tudo isto? Tantas perguntas que eu, num gesto decidido, vou sacudindo para não as ter que enfrentar.
Estou num constante processo de organização. Emocional, espacial, temporal. Organizo-me nas emoções, no espaço onde habito, no tempo que preciso de distribuir com inteligência.
Antes organizava-me para trabalhar no Porto, viver em Braga e passar meia semana em Lisboa. Depois organizei-me para deixar entrar uma pessoa na minha vida, casa e coração. A seguir, tive de me organizar para manter tudo isto com uma bebé pequena, a Constança. Quando acrescentei a Grace [na altura Ma Petite Princesse] aos meus dias, lá tive de me organizar ainda mais. Um ano depois, deixei o emprego, troquei o certo pelo incerto, engravidei, o Bernardo veio para a Suíça, eu fiquei com a Constança, e o que aconteceu? Reorganizei. Reorganizei-me e reorganizei as rotinas, reorganizei a cabeça constantemente às voltas, as emoções em sobressalto. Nasceu a Camila e 10 meses depois, lá reorganizei tudo outra vez para nos juntarmos de novo, os quatro, na verdade quase pela primeira vez. E agora? Ainda nos estamos a organizar. Passo temporadas em casa lá [em Basileia], temporadas sozinha cá [em Braga] e, com umas viagens surpresa dos avós para nos darem uma mão, lá nos vamos organizando. Ufa. Caraças. Estou farta de arrumar a vida.
Na mouche. É humano procurarmos a estabilidade de uma certa zona de conforto. Porque na estabilidade, na organização, sabemos quem somos, para onde vamos e, pelo caminho, exatamente o que esperar. Temos controlo. No entanto há quem, por feitio, mania ou atração de uma força qualquer do universo, procure exatamente o cenário oposto: a constante mudança. Esses somos nós. Com todas as contradições, nós somos assim. E com verdade ou ilusão, chamamos-lhe a evolução das coisas. Dá pica, mas dói. Até o corpo precisa de algum tempo para se habituar à mudança.
Camila com 7 meses, Constança com quase 3 anos na baixa do Porto, em julho de 2015 * fotografia por Rita P. Braga
[sapatos Moleke * bloomers e camisas Grace Baby&Child]
4 comentários a “as dores da mudança”
Olá Ana
Revejo-me tanto no que escreveste… Vim há 2 anos para Basileia para estudar, com marido e filho de 18 meses. Achei que ia ser maravilhoso, que talvez fosse difícil no início, mas depois o esforço seria recompensado. Nestes 2 anos, as mudanças foram constantes, sempre um jogo de readaptação, parece que nunca mais chega a serenidade… Sim, às vezes pergunto-me onde isto vai dar, se realmente vale o esforço. Mas por outro lado, não poderia ter deixado de o fazer, não iria querer ficar toda a vida a perguntar-me “e se eu tivesse tentado, como teria sido?”. Sinto que é uma luta constante que se está a prolongar por mais tempo do que eu estava à espera. É bom ler os meus pensamentos pela mão de outra pessoa, não me sinto tão ridícula com as minhas dores.
Obrigada pela partilha. Um beijo grande
Manuela
Olá Ana,
Que texto maravilhoso e o tanto que me identifiquei….
Há cerca de 1 ano e meio também eu embarquei numa nova aventura: um projeto novo, totalmente diferente da minha área profissional, um desafio enorme!
E, como é difícil Manter-me a 100% nos 2 “Empregos”, sentir-me diariamente motivada e com energia…a mente em constante sobressalto e o corpo doí. Nuns dias a satisfação e realização plenas, noutros as dúvidas . E a falta de tempo, o desejo ardente de esticar os dias, as horas para aquele tempinho para nós, para ele, para os pais e os amigos, para ir correr, para saborear um gelado, não há, não o consigo encontrar… mas também não Consigo ser de outra maneira…costumo dizer, que só as mudanças me movem, e é verdade, mas doí e ao mesmo tempo é muito bom! é um paradoxo incrível, mas não será isto a Vida?
Força e VIVA em Pleno, só assim vale a pena…
Um abraço
Olá Ana!
Vivo à 8 anos fora e em 2 países completamente diferentes (Roménia e Alemanha) e sei que é bem difícil adaptar à mudança e sentir que temos outra “casa” fora de Portugal. Mesmo para as pessoas mais aventureiras e que adoram viajar a adaptação a viver fora é muito diferente e difícil. É preciso aprender a largar o que se passa em Portugal e a aceitar que não vamos estar em todas as reuniões, nem nos momentos mais marcantes da família e amigos mas ao mesmo tempo fazer com que as nossas visitas sejam cheias de boas memórias e de estarmos de corpo e alma com as pessoas que importam mais. Claro que ao início tudo é novo e encantador mas quando a saudade bate torna-se mais penoso continuar a sorrir.
Pela minha experiência pessoal ajudou-me a sentir mais integrada quando comecei a aprender a língua, a conhecer outros expatriados na mesma situação e a ter novos amigos do país onde estava. Claro que quando mudei novamente de país foi como começar do zero mas com uma bagagem ainda mais pesada. O primeiro ano na Alemanha foi terrivel…os alemães não são propriamente muito amigáveis e sentem-se superiores aos outros principalmente se és de um país do sul da Europa (sim, a crise não ajudou em nada). Quando comecei a falar um pouco de alemão (básico de sobrevivência nos supermercados e restaurantes), realmente a praticar desporto e a deixar de me afectar pela arrogância deles comecei a sentir-me melhor. Provavelmente em Basileia sentes o mesmo. E Desde que tive uma filha começei a ter dúvidas sobre viver no estrangeiro e se não estaria a priva-la de passar tempo com a família e se alguma vez ela se sentiria portuguesa ou se iria sempre ser uma estrangeira. Acho que só o tempo o dirá mas tenho a certeza que o mais importante para ela é que o pai e a mãe estejam bem independentemente do sítio onde estamos.
Acho que não há fórmulas MÁGICAS e vais sentir-te como uma trapezista a tentar equilibrar todas as emoções e desafios de estar a viver fora. No final o mais importante é a nossa força interior e de te sentires orgulhosa com o que conseguiste alcançar (quer seja a realização pessoal ou profissional).
Beijinhos e muita força,
Joana
Olá Joana,
Já passaram 6 meses desde que cá chegamos (as 3) e parece que ainda foi ontem. Não conheço muito, não temos saído tanto quanto gostaria, estamos ainda a naquela fase “in between” qualquer coisa. Claro que não ajuda o facto de eu estar sempre cá e lá. Cada vez que começo a assentar, a organizar a casa e a ter as rotinas controladas, lá vou eu outra vez para PT passar uma, duas ou três semanas. Vou sozinha, eles ficam os 3 cá, e quando chego parece que tenho de começar tudo de novo. Isso afeta-me a mim, a nós e, obviamente, às miúdas também.
Então estava à espera que passasse esta fase para procurar uma casa nova, começar a fazer desporto, aprender a alemão, comprometer-me com esse tipo de coisas sem estar sempre a faltar ou a adiar. Mas desisti de esperar e resolvi começar por algum lado, mesmo sem saber muito bem até que ponto me poderei comprometer. Desistimos da casa nova pelo menos até ao próximo inverno. Comecei a fazer yoga uma vez por semana. Vou iniciar-me nas caminhadas como deve ser (andar a pé já não conta) e uma vez que provavelmente vamos estar assim até ao fim do ano, este é o nosso sistema de vida, então mais vale começar a aprender alemão já porque quanto mais cedo, melhor. Tenho a certeza que estas coisas conjugadas vão melhorar em muito no sentimento de integração, tal como dizes.
Obrigada pelas tuas palavras, muito obrigada. Espero continuar a ler-te por aqui 🙂
até breve,
ana