Sou mãe a solo há 15 meses. Quase 1 ano e meio. Nunca eu tive um projeto tão exigente, intenso e duro na vida. Nunca fui tão posta à prova, tão solicitada, tão sugada no literal sentido da palavra. Sou mulher, imperfeita e condicionada pelas distâncias. Sou mãe, sou a melhor mãe que posso e sei ser, e sei que sou melhor mãe do que às vezes penso ser. Sou uma boa dona-de-casa [este termo ainda existe?], exemplar, posso dizê-lo sem modéstia. E procuro ser a melhor profissional possível, não vacilo, não durmo à sombra da bananeira, imponho-me metas e objetivos para que a decisão que tomei [tomámos] há um ano e meio atrás continue a ser a melhor decisão.
As minhas filhas são maravilhosas [como todos]. Saudáveis, alegres, gentis, curiosas pelo mundo. A Constança é esperta, faladora e sociável, muito expressiva, carinhosa e mimalha também; ultimamente os ciúmes estão no auge e ela dá-me cabo da paciência. A Camila é a bebé mais simpática que alguma vez vi, sorridente, comilona e também cheia de mau feitio; é brava esta miúda. Adoro-as. Claro. Sou uma mãe orgulhosa e realizada. Tanto que tenho [temos] a certeza que a nossa família não vai ficar por aqui: quero muito ser mãe mais uma e outra vez, queremos muito construir uma família grande, barulhenta e feliz.
Mas os meus dias não são fáceis. Tudo é um desafio, a começar pela logística. Perguntam-me muitas vezes como corre, como é que acontece, na prática. Pois bem: acordo entre as 7h e as 8h, sem despertador. A Camila, finalmente!, começou a dormir a noite toda, já a Constança tem sido difícil. Tenho noites em que acordo de hora em hora, um tormento. Entre as 9h e as 10h levo as miúdas ao colégio, sigo para o atelier onde fico até às 18h. Do fim da tarde até às 21h é a hora do caos, como em todas as famílias. Nos primeiros 2 meses contei com a ajuda da prima-babysitter nas brincadeiras, banhos e refeições. Foi absolutamente essencial e vi-me aflita quando ela se foi embora. A Camila tinha muitas cólicas, a Constança chegava cansada do colégio, tivemos finais de dia bem difíceis, com as três a berrar. Agora acalmou um bocado.
Duas vezes por semana, a Constança passa os fins-de-tarde com os avós, eu fico por conta da Camila e, com sorte, ganho um tempinho para mim. 21h-21h30: janto. Às vezes janto com a Constança, outras vezes não dá. Então, com as duas na cama [deito-as o mais tardar às 21h], agarro no tabuleiro e sento-me em frente à tv. Vejo o que resta das notícias, a novela! ou uma série mas resisto aos filmes. O objetivo é deixar os neurónios em ponto morto, não pensar. E não me deitar muito tarde. Pelas 22h e se me resta energia, ainda trabalho umas três horas depois do jantar. É à noite, depois do dia acabar e com a casa em silêncio, que consigo ler, inspirar-me e escrever no blog.
Assim se passam as semanas. Dias cheios e com menos tempo livre para mim e para as minhas filhas do que gostaria. Estou sempre a dizer que preciso, que tem de ser, mas nunca consigo: nem dormir mais, nem fazer exercício físico, nem a ir certinho ao yoga [equilíbrio, equilíbrio, equilíbrio]. Adio-me. Sinto falta de sair para ouvir música, beber um copo e de ter conversas de raparigas que não sejam pelo watsapp.
O meu sonho é conseguir tirar as sextas de folga, uma forma de compensar a licença de maternidade que não tive e o ritmo acelerado dos restantes da semana. Precisava desse dia para tratar das burocracias que se acumulam, estar com as minhas filhas e quem sabe entrar de fim-de-semana mais cedo e mais feliz. Ainda não foi possível, talvez na Suíça, não sei. Sem o pai para dividir os dias com elas, continuo a adiar-me, não tenho outra hipótese.
Sou saudável. Tenho uma família grande e amiga. Dei à luz as filhas com que sempre sonhei. Vivo numa casa que já é pequena para os quatro mas bonita, que eu decoro com prazer, confortável, com tudo o que nos faz falta. Porém, nesta velocidade dos dias, um atrás do outro, um atrás do outro, há qualquer coisa que aos bocadinhos se vai perdendo, esfumando, distraindo. Que se afasta do que era, que foi preterida no tempo, deixando saudade e um vazio também.
Demorei algum tempo a distinguir, a ver com clareza o que agora escrevo: essa coisa, de enorme importância, sou eu. Eu! É mais profundo do que estar a precisar de umas noites bem dormidas. É eu de repente me ter perdido no meio desta avalanche de mudanças que atraímos para as nossas vidas no ano passado. Eu, a Ana antes de ser mãe da Constança e depois da Camila, a Ana que vive na cidade onde nunca escolheria para viver, a Ana que existia dentro de mim e que eu mal reconheço. Está a ser bom, foi desejado, era necessário mas também é… demasiado.Confuso? Talvez. Se calhar não devia escrever isto agora, se calhar ainda é cedo para pôr estes sentimentos absurdos em palavras. Ou não, não sei. Hoje, exausta de mais um fim-de-semana sem 5 minutos de sossego ao sol; hoje, inspirada por estas fotografias maravilhosas que a Rita me enviou e por este disco que ando a ouvir, acabei por desabafar o que me vai na alma e tomar um decisão: aproveitar o que resta de agosto e ir ao encontro dos lugares onde eu sempre me senti livre. Voltar, depois de muitos anos fora a ir e a vir, com a minha linda família que adoro, a Lisboa e, depois, ao sol do sul. Faltam 13 dias.
Constança com 2 anos e 10 meses * Camila com 7 meses
[fotografia por Rita P. Braga para Ma Petite Princesse]
12 comentários a “ser mãe a solo [rotinas e desabafos]”
Obrigada por estas palavras. por me ter tocado o coração. que bonita e a sua familia! parabens. que sejam sempre felizes, um beijo
mia
lindas palavras ana, não é fácil, é só para valentes, bj
Leio este post e dou ainda mais valor à licença de maternidade, e mais importante ainda, ao horário reduzido que estou e vou continuar a usufruir até aos 12M da Carminho. É uma leveza ter tempo, e aproveitar as brincadeiras e mimos. As pressas de final do dia reduziram… as birras também! 🙂
um beijinho e super força! e boas férias!!
É por esta franqueza que sempre a admirei, Ana …
De facto , ser Mãe , de alma e coração , é maravilhoso, mas muito desgastante e solitário. Mas é bom saber que a Ana tem planos para o futuro, apesar das dificuldades, e a certeza de que é feliz.
Muitos beijinhos e continue a escrever desta forma verdadeira , que tão bem a caracteriza.
Oh Ana, e escreveres um post com dicas de como ser uma dona-de-casa (caso o termo ainda exista) exemplar com duas miúdas pequenas? rotinas caseiras, quando é q consegues pôr a casa do modo q gostas, etc. Que achas?
Obrigada, bjito 🙂
Olá Ana,
Das duas vezes, tivemos grávidas ao mesmo tempo, à distância..
UFA.. q desabafo nos deixaste! Sinto exatamente o mesmo, o q se tem apagado sou eu. Não sei como voltar a brilhar o suficiente para de algum modo me reconhecer. Preciso de tempo sozinha e não o encontro, as viagens para o trabalho ajudam mas não são suficientes. Estou cansada e também é cansaço físico de quem não dorme uma noite bem há mais de três anos e meio (desde o início da primeira gravidez), mas é muito além disso, muito muito além. Obrigo-me a ir-me deitar porque sei que preciso mesmo muito dormir, mas a minha sanidade implora por ficar um bocadinho, sozinha, algures em casa, a fazer qualquer coisa que sinta como necessária mas durante o dia não consigo fazer – escrever, coser algo descosido, adiantar uma refeição, arrumar uma gaveta.. fico tão feliz e com menos um peso com essas pequenas coisas. Estou com uma situação inversa à tua, se assim se pode dizer, o meu marido ficou desempregado quando o nosso mais novo tinha 15 dias, já lá vai um ano e um mês. E eu, preciso de estar comigo, sozinha, sem sentir o mundo às costas, sem senti-lo sempre em casa, sem estar sem paciência para os pequenotes.. Mas ao mesmo tempo, sem estar sempre à espera do amanhã melhor. Preciso de mim hoje.
Ai…como a compreendo Ana!
Tenho 2 filhas, uma com 6 anos e a outra com 2, adoro-as mais que tudo mas às vezes percebo que me “anulei” algures neste percurso da maternidade. Felizmente o meu marido está cá connosco mas, por questões profissionais, nem sempre presente. Tenho dias em que me parece que as forças e paciência se esgotaram e depois sinto-me “culpada” por estes sentimentos.
Tenho saudades de estar sozinha, de tomar um simples café “sossegada”. Sei que daqui por uns anos terei imenso tempo para mim mas será tarde? Não sei, sei apenas que as amo cada vez mais e que tenho que ter tempo para mim e para nós (como casal e como família).
Força. Vai correr tudo bem!
Ola Ana
Identifiquei-me com o que escreveu… Também me sinto essa “coisa” que se anula e que se vai perdendo… é difícil de explica em palavras o misto do que é sentir um preenchimento com um filho e o vazio de se estar sozinha para tudo….
Ola, obrigada pela partilha. Confesso que tenho uma admiracao tremenda por si!!!! Nao so pela MPP mas por conseguir ser uma super mae de 2 meninas lindas….eu fiquei apenas 4 dias a solo com os meus filhos, com idade semelhantes as suas meninas, e fiquei em panico… so pensava, como e que a Ana consegue todos os dias??? Admiro-a muito!!! Tiro-lhe o chapeu.
Beijinhos e boa sorte para a nova etapa!
Vieram-me as lágrimas aos olhos ao ler este texto. Como a compreendo. Tenho um filho de 2 anos e 7 meses e uma filha com 7 meses e ando exausta. Compreendo tudo o que diz e hoje estou particularmente sensível e exausta, por isso chorei qdo li o seu post. Tenho dois filhos maravilhosos, mas é tão desgastante. Preciso de tempo para respirar e ser eu e nunca tenho. Como disse a Elisa, nem tempo temos para ficarmos doentes e é bem verdade. Saber que eles são felizes e vê-los sorrir é o que me dá forças, mas que não é fácil, isso não. Beijinhos e força.
Não é cedo para dizer tudo isso, até é tarde…. Sei muito bem o que é estar sozinha com duas filhas, o cansaço, por vezes o desânimo, mas não ter tempo sequer para ficar doente, simplesmente porque não podemos…..e elas estão sempre em primeiro lugar, mas nós também precisamos de primazia.
Um beijinho muito grande e força!
Olá Ana…
Só para dizer que às vezes dá me vontade de lhe dar um abraço. Não a conheço, mas gosto de si. É aquelas coisas, vai-se lá saber porquê ?! ….Um dia vai poder dizer que tudo está bem….
Beijinhos e força