é natal, pai, é natal


Às vezes ainda me esqueço que morreste. Às vezes [pausa], algumas vezes, agarro no telemóvel para te ligar num ato tão instantâneo e irrefletido como seria dar-te um beijo na face, um só beijo com os lábios e muito carinho na tua face, quando te reencontrava no sofá lá de casa, no carro estacionado à minha espera ou na esplanada do café da minha rua. Um beijo na tua face, o que eu daria para te voltar a dar um beijo na tua face.

Às vezes ainda consigo sentir o calor das tuas mãos. Medir a estatura do teu corpo. Estou a ver-te a caminhar balançado, calças de bombazine mostarda, camisa xadrez e pullover verde seco, gostava mesmo de te ver com essas cores. Nunca tinhas frio. Nunca tinha fome. Nunca gemias ou te queixavas. Agora ia escrever que nunca choravas, mas a verdade é que nos últimos anos vi-te chorar algumas vezes. Silenciosamente. Desesperadamente.

Se estivesses aqui, hoje, o que acharias de tudo isto? Do país, dos políticos, das pessoas, do calor que tivemos em dezembro? Se estivesses aqui, provavelmente estarias a ver-nos vibrar e stressar com o natal, deixarias para a última da hora a prenda da mãe, pedirias conselho, tentarias disfarçar o embaraço e lá iria uma de nós, uma das tuas filhas, comprar o presente perfeito para a única mulher da tua vida. Entretanto, levarias as tuas três netas para lanchar na Lusitana.

Não aguento a tua ausência. Não me conformo, não me adapto, não aceito. Faltam 2 dias para o Natal e, mais uma vez, não estás [onde estás?] Não vais estar à cabeceira da mesa. Não vais sentar as tuas netas no teu colo. Não vais comer aletria, uma rabana – no dia seguinte é que são boas – nem os mexidos dourados como o avô gostava. Eu vou fazê-lo por ti. Só uma vez, pouquinho, mas a pensar em ti. É Natal, Pai. É Natal.


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