Andava a evitar as notícias tristes de crises, refugiados e atentados [às vezes sou como a avestruz e meto a cabeça na areia] mas como era a Laurinda Alves e eu gosto muito do que ela escreve, entre uma trinca no pão com fiambre e um golo no sumo de laranja natural, fui ler este artigo e levei com um murro no estômago.
O homem pega na bebé, põe-na ao alto e sem hesitar lança-a ao mar.
Parou-me o coração. Deitei as mãos à boca e fiz um esforço para conter a vontade de chorar e de vomitar ao mesmo tempo, ali mesmo, no café. Deitar uma criança de 1 ano borda fora? Como é que é possível? Precisei de alguns segundos para retomar o pensamento, mas o pão ficou a meio em cima da mesa. Pedi um café que bebi de golada e continuei a ler. São milhares e milhares de pessoas destroçadas, arruinadas e maltratadas, e eu aqui, sem mexer uma palha, embrenhada nos problemas da minha vidinha que julgo sempre serem mais importantes. Ah, bah! Antes fazia manobras publicitárias para as pessoas comprarem mais e mais telemóveis, hoje faço roupa bonita para as crianças vestirem, mas… o que de verdade importa? Buf. Nada disto faz sentido. Pelo menos hoje.
Ver um filho ser atirado ao mar? Porra, como é que se sobrevive a isso?
Eu já tive num bote com a minha filha pequena ao colo. Era um barquinho a motor que fazia o trajeto entre as ilhas ao largo de Cartagena das Índias, na Colômbia. Foi precisamente há um ano atrás e a Camila tinha 4 meses. Também nós levávamos as miúdas ao colo e também nós vestíamos roupas leves, mas estava um belo dia de sol e nós éramos turistas a regressar, contentes e bronzeados, do descanso no paraíso em troca de um par de centenas de euros a menos nos bolso. Apesar do mar ser tranquilo, havia um troço complicado, com uma ondulação maior que o barquinho de madeira parecia ser capaz de enfrentar. Quanto maior a onda, maior o solavanco e a molha. Houve momentos em que o barco se inclinou tanto que virei a cara para não ver o tamanho das ondas que nos pareciam querer engolir. Tive algum medo. Senti-me mal, uma inconsciente, irresponsável por expor as minhas filhas àquele perigo. O medo era mais provocado pela culpa do que pela situação em si. Lembro-me de pensar: se a minha bebé me foge dos braços nunca mais a consigo apanhar. Era só nisso que pensava e agarrava-a bem. Protegia-a da água o melhor que conseguia e procurava distrair-me e tranquilizar-me observando-a serena a dormir, a Constança que também dormia, o sol que me queimava a pele, a calma dos outros passageiros, os casalinhos em lua-de-mel, o homem do leme, experiente, que tinha nascido no mar e sabia o que estava a fazer. A tortura demorou 15 minutos, não mais.
Por isso eu posso levemente imaginar, muito levemente e com uma enorme humildade, o que puderam sentir aquelas pessoas e aqueles pais a cada solavanco do barco que prometia salvar-lhes a vida. Mas não faço puto ideia do que é ser refugiado, desconheço vergonhosamente o drama da perda, a crise e o desabar de tudo e de todos, a fuga pela sobrevivência. Nessa matéria, sou uma besta ignorante. Mas se esta miúda diz que uma pessoa pode fazer a diferença, então eu vou procurar fazê-la. E é já amanhã, domingo de Páscoa. Não me parece haver dia melhor.
7 comentários a “murro no estômago”
[…] repente, é como se tudo [pouco] que leio esteja destinado a dar-me um abanão. No outro dia, esta realidade tão dramática. Hoje, estas palavras determinadas de uma mulher que eu já admiro sem […]
Ana, estou como a carolina…onde posso ajudar? se encontrares uma forma de ajudarmos à distância, por favor partilha, que eu junto-me.
E obrigada pela partilha,
beijinhos
ana leonor
vou partilhar sim 🙂 ainda estou a perceber como o poderei fazer mas assim que souber e decidir, partilho
obrigada Ana Leonor
sabes… já passei precisamente por esses problemas de consciência que descreves. olho para os nossos brinquedos, penso nas crianças que vão ficar tão felizes por recebê-los e depois, recorrentemente, me vem à memória imagens e relatos inacreditaveis de crianças da mesma idade que nada têm, que fogem do terror da guerra. sinto-me mesmo fútil por vezes 🙁
tento aliviar a minha tensão pessoal doando tudo o que tenho. dos meus filhos nada tenho guardado de recordação é o mínimo que posso fazer e foi o que fiz. Não senti grande alívio no meu estado de agonia, mas quero acreditar que alivei um pouco o sofrimento de outra pessoa.
beijinhos e vais encontrar um caminho.
sofia
obrigada Sofia. vou fazer isso certamente.
Olá Ana, Que pensas fazer? Como te posso ajudar?…
leio intermitentemente o teu blog e gosto da forma como encaras as viagens com a tua prole e espero um dia ser assim com a minha (por enquanto ainda só tenho, uma, coincidentemente, constança… :))
Sofro impotente com os refugiados, quero fazer alguma coisa e nÃO sei o quê. Vivo no brasil, estou longe, mas se puder contribuir de alguma forma, diz-me…
bjs
carolina
olá Carolina, ainda ando a investigar. o que eu queria mesmo era ir até lá, mas não é possível. com a distância e a minha vida entre dois países também sei que não vou poder ajudar continuadamente, portanto estou a ver outras possibilidades. eu vou escrever depois no blog